Coronavirus

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Brasil: tristeza não tem fim

Aos surtos de coronavírus em São Paulo, Manaus e Rio de Janeiro, agora se soma Brasilia. Até o momento, o país registra quase um milhão e meio de casos positivos, com 60.000 mortes. Há pacientes aguardando por respiradores em hospitais da Capital brasileira.


“Andar contra o vento, sem lenço, sem documento”, cantou o grande Caetano Veloso no final da década de 1960, quando a ditadura começou em seu país. Quase sessenta anos depois, o que está acontecendo no Brasil é a pandemia, com mais de mil mortes por dia. Também, a própria democracia parece estar em risco, com grupos militares comandados pelos filhos do presidente e o Ministério da Saúde gerenciado por um general do Exército. Nesse contexto, os surtos de coronavírus em São Paulo, Manaus e Rio de Janeiro não diminuíram e as infecções agora também são fortes em Brasília. Ao problema sanitário, acrescenta-se uma delicada situação econômica e uma fragilidade institucional que assusta.

Brasília, capital do país, com menor densidade habitacional e melhor rede de saúde do que outras regiões, vinha apresentando bom desempenho contra o coronavírus, mas nas últimas semanas, devido à flexibilização dondistinciamento físico, sua curva COVID aumentou e os pacientes saturaram seus hospitais. Nesse contexto, o governador Ibaneis Rocha oficializou a situação de “calamidade” na segunda-feira e o título foi notícia mundial. No entanto, como explicado pelo governador, a decisão não teve a intenção de alertar sobre o vírus, mas foi administrativa, uma vez que Brasília poderá atrair mais fundos nacionais para a compra de suprimentos.

No dia seguinte, o mesmo governador anunciou que em agosto seu Estado voltará ao normal, com aulas nas escolas e o resto da vida econômica funcionando. “Aqui os números do Covid estão crescendo. E a possibilidade de que a situação seja menos caótica em quatro semanas é mínima “, diz a jornalista Maira Brito, da capital brasileira, em diálogo com o El Ciudadano.

Figuras pouco claras

Vale lembrar que, em meio à pandemia, dois ministros de Saúde renunciaram no Brasil. Mandetta e Taich questionaram o presidente sobre sua intromissão na política de saúde e até sobre a recomendação de Bolsonaro de usar a hidroxicloroquina como medicamento para todos os infectados com COVID, mesmo sem protocolos clínicos que o endossem como tratamento genérico. Em maio, um oficial militar, Eduardo Pazuello, finalmente assumiu o cargo. E a primeira controvérsia desse general do Exército com as organizações que relatam o número de vítimas fatais do vírus em nível planetário foi sobre o manuseio dos registros.

Até agora, o país registra quase um milhão e meio de casos, com quase 60 mil mortes. Para reduzir o impacto diário dos números, o Brasil tentou parar de contar aqueles que morreram de pneumonia atípica que não foram testados. Por alguns dias, não estava mais no mapa mundial da Universidade John Hopkins. Mas, diante do escândalo, ele voltou para dar informações diárias sobre as vítimas com o método usado pelo resto dos países.

Agora, as dúvidas se concentram na ocupação de camas. Maira Brito alerta que os locais disponíveis em terapia intensiva fornecidos pelo governo “não são confiáveis”. E como o governo não fornece informações precisas, a mídia é guiada por relatórios feitos pelo próprio pessoal de saúde. Semanas atrás, Bolsonaro instou seus seguidores a entrar em hospitais de campo e gravar com seus celulares, para ver se estão cheios. Por fim, isso não aconteceu porque um juiz alertou o presidente de que ele estava cometendo um crime federal. “É uma pena, para não dizer ridículo, que funcionários públicos estimulem as teorias da conspiração e ponham em risco a saúde pública”, publicou um dos membros do Supremo Tribunal de Justiça no Twitter.

Segundo dados do próprio sistema de saúde de Brasília, que reproduziam o Correo Brazileirense e a rede O Globo, nesta terça-feira, dia 30, em Brasília, o limite foi atingido. Ou seja, há pacientes esperando por um respirador em hospitais da capital e eles não podem tê-lo.

Abrir com curva para cima

Com relação à decisão de eliminar todas as restrições com a curva subindo no Distrito Federal, Brito diz: “A data de pico está mudando a cada semana. No início, foi dito que seria em maio-junho, depois mudaram para julho e agora para agosto. O ponto é que, como ninguém fica em casa e mais com a reabertura das lojas, essa data está oscilando”. A economia do país, conforme indicado pelo Banco Central do Brasil nos primeiros dias de junho, cairá 6,5% neste ano e as previsões estão sendo atualizadas para baixo. Nesse contexto, seria de supor no Brasil uma massa crítica que rejeita fortemente o governo Bolsonaro. Brito reflete: “Apesar dos tumultos do COVID, relatos de corrupção e má administração, as mudanças permanentes no ministerio, muitas pessoas ainda estão do seu lado. Há muitas notícias e mídias falsas que reproduzem o que o governo diz, o tempo todo. Há quem acredite que o coronavírus é uma invenção “.

Nambir Elisa, instrutora de yoga e ligada a atividades culturais também em Brasília, acrescenta sua voz, em conversa com El Ciudadano: “Há uma grande necessidade de políticas sociais, de contenção. O que o governo federal está fazendo é criminoso, continua a motivar as pessoas a sair às ruas. Ele repete que é uma guerra contra o coronavírus e é por isso que é bom usar militares, como Pazuello, o ministro da Saúde. Há parte da população imunossuprimida, os indígenas, os mais velhos, os mais vulneráveis, a realidade é que eles estão ficando sem qualquer disputa. Há muitas pessoas pobres aqui no Brasil. E não apenas os idosos estão morrendo, eles também são jovens. Eles dizem que seremos o lugar do mundo que mais mortes terá. É realmente muito triste.”

Possível impeachment de Bolsonaro

Questionada sobre a possibilidade de um “impeachment”, o apelo constitucional que o Brasil tem para que o presidente termine seu mandato mais cedo, a jornalista Maira Brito é cética: “Há tantas denúncias de corrupção, tantas mortes de COVID por má administração e nada muda. Não sei o que dizer dos políticos brasileiros. Deve-se ter em mente que no Brasil há muitos que odeiam o PT e Lula, justamente porque durante o governo ele procurou ajudar os mais pobres “, afirma.

Enquanto isso, o ex-presidente Lula está recuperando a presença na agenda pública com algumas intervenções. Nesta quarta-feira, houve vários protestos de trabalhadores precários no aplicativo de entrega no Brasil e Lula disse em sua conta no Twitter: “Os trabalhadores do século XXI estão perdendo tudo o que alcançaram no século 20. A greve dos trabalhadores de entregas prova isso. Eles estão com fome e entregando comida … Um pneu está furado e você está bloqueado do aplicativo? Isso é escravidão moderna. Não há segurança social. Nada”. De Rio das Ostras, no Estado do Rio de Janeiro, o professor argentino Ramiro Dulcich, da Universidade Federal Fluminense, acrescenta seu olhar: “esta havendo uma ampla articulação para um novo pedido de impeachment nas próximas semanas. Vamos ver se procede. Como se costuma dizer aqui, pode que Bolsonaro esteja sendo ‘fritado’. E, se isso acontecer, uma situação de “equilíbrio catastrófico” pode se instalar, parafraseando o italiano Antonio Gramsci. A oposição está sendo reconstituída e há uma ofensiva contra o governo, por parte de setores que ajudaram a levar Bolsonaro ao poder e agora retiram seu apoio. Por outro lado, estão os apoiadores de Lula, do PT e dos movimentos sociais. “Outro indicio é que o Supremo Tribunal Eleitoral retomou a investigação contra Bolsonaro e seu vice-presidente, por irregularidades na candidatura, que estavam arquivadas. Se a chapa for cassada, haverá que antecipar as eleições presidencias, planejadas para 2022. Nesse contexto, se visualizam pelo menos três grandes tendências, com pesos políticos equilibrados. Uma, de radicalização da ultra-direita e do bolsonarismo. Outra, uma opção de centro e segmentos da direita tradicional desagregados do governo. E o espaço de centro esquerda e organizações da classe trabalhadora. O resultado político da crise depende da articulação dessas forças, com a pandemia como contexto”.

“Joy joy” é o nome do clássico de Caetano que abre esta nota, que em outra de suas estrofes diz: “Nada no bolso ou nas mãos, quero continuar vivendo. O farei”.

Um verdadeiro desafio, então, um verdadeiro desafio no Brasil contemporâneo.

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